segunda-feira, 16 de junho de 2014

Pega a solidão e dança

Ela me disse que todas as minhas músicas são tristes. Falou de como tudo o que eu toco suspira melancolia, meus sons embalados em tons mornos e embargados, como lágrima que rola pela face. Nós rimos, eu e o meu violão. Entrelacei meus dedos em suas cordas e ele apertou minha mão de volta; "fique firme", ele dizia, "só eu sei", ele falava.

domingo, 4 de maio de 2014

Epifania Diária (04/05/14)

Dissera-me que, sujeito simples que era, não era lá muito determinado. Mais dado à subordinação, precisava de orientações substanciais aqui e ali; e, no entanto, orava subjetivamente.

Frequentemente sonhava com o abstrato. Constantemente precisava do concreto. O que tínhamos em comum? Ora, emanávamos ambos um quê de propriedade. Eu mais do que ele.

Em suas emoções mais primitivas, derivava de um composto perigoso feito de me-ame-mais-do-que-a-outro. Simplificando, se eu era dele, que fosse dele apenas. De todo modo, se tivesse que lhe dar um adjetivo: restritivo.

Eu era mais aberta, articulada; explicativa até. Inclusive, cheguei a lhe dizer que, essencialmente, quanto mais ele tentava me clamar como dele, quase um objeto, menos eu me sentia inclinada a sê-lo.

De forma indireta, porém certeira, me dirigiu para o “outro” que ele tanto temia. Um sujeito composto por mais do que pronomes possessivos.

Se indignou com o resultado de suas tentativas infelizes de me domar. E haveria de resignar-se também. Se me queria tanto ao seu lado, que tivesse me amado mais do que a terceira pessoa do singular, que, singularmente, me abriu em leque a toda uma pluralidade.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Epifania Diária (14/02/14)

Fizera de seu amor um pretérito.

Perfeição posta à prova, apostara todas as suas fichas em uma relação que ficou para trás. Chorou. Chorara, antes que suas lágrimas de fato caíssem. Declarou mudança então. Não mais apostava no amor. Dizia haver imperfeição demais: nela; e no seu amor. Entretanto, fatalmente, amava. Amava como amou. E como amara.

Vítima das amarras de seu coração, perdida, adentrara o ciclo de novo e de novo. E então novamente, como quem não se basta, como quem não percebe o presente que é. E não percebia mesmo. Nunca percebeu. Alheia a si, apontava o dedo para o espelho, e especializara-se na ocupação de mártir. Não fora responsável (em nenhum momento); apenas vítima (de si mesma).

Até houve ocasião em que quisera ser algo mais (outra coisa), mas jamais ficara consigo tempo o suficiente para explorar seus pormenores – exaltá-los, exerce-los. Foi se enfraquecendo então nas faltas que cometera – perfeita demais no âmago, imperfeita demais para vê-lo. E, certa de que seu caminho não passava de uma infindável estrada esburacada, abrira a porta da qual não se volta.

Partira. E esquecera comigo seu amor mais que perfeito.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Epifania Diária (16/11/13)

Hoje eu não a encontrei na fila da van. E tudo bem, nem sempre eu a encontro; mas eu sempre procuro, passo os olhos pelos rostos não familiares esperando encontrar o dela. Também não a encontrei no elevador ou nos corredores do prédio. Não tinha caído a ficha ainda, sabe. Eu tive que chegar na empresa, bater o ponto nove vezes até a máquina finalmente reconhecer minha digital, entrar na sala. Tive que olhar pra mesa dela e não ver nada do que devia estar ali pra memória bater. Bateu mesmo. Com força. Um tapa na cara bem estalado, com direito a dedo apontado me chamando de vadia.

Demissão. De verdade. Eu sei porque fui na copa, vasculhei todos os corredores, entrei em todas as salas: ela não estava. O que estava -em todo canto- era o silêncio debochado das paredes que já não vibravam ao timbre da voz dela. E era um silêncio ensurdecedor, só estando lá pra saber. Foi uma coisa que me oprimiu tanto que eu tive vontade de gritar. De gritar, e então de dar risada porque é engraçado mesmo; é engraçado como demitiram tudo menos a ausência dela. Engraçado como não tiraram as lacunas dos passos dela do chão, mas tiraram todos os seus pertences. E não me faça começar a falar sobre pertencer; o ponto não é esse.

O ponto é que ela não estava na fila da van, não estava nos corredores da empresa, não estava na sala. O ponto é que eu olhei pra trás as 16:43 e a mesa dela continuava vazia porque ela não estava mais lá, e nem mais estaria; e de repente... Eu não sei. Vai ver que essa coisa de só dar valor quando perde é real mesmo, sei lá. Eu só sei que naquela hora, eu senti que aquela mesa e eu tínhamos muito em comum.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Epifania Diária (21/10/13)

Começa com o reconhecimento do interesse - próprio, nem sempre do outro. Desenvolve-se com o flerte; de uma ou de ambas as partes. E então se inicia uma intrincada dança de conquista, nem sempre no sentido literal.

Não me leve a mal, eu amo a conquista. O flerte sutil - do toque, do olhar, do sorriso - e as provocações veladas - e às vezes, diretas. Me agrada profundamente o coquetel de charme, malícia, humor e criatividade com que se brinda o desejo entre duas pessoas.

Agora, apelando para o popular, o que me faz virar a mesa e atirar um vaso de valor inestimável da Dinastia Ming contra a parede é apenas isso: cu doce. Quando existe a perfeita concordância de desejos, quando a dança já está finalizada e a ultima nota há tempos já parou de reverberar, e ainda assim, uma das pessoas ainda cisma em dar passo pro lado e passo pro outro. Três palavras: levanto e saio.

Gosto de mulheres que são decididamente honestas em suas vontades: se eu quero e você quer, não existe razão pra continuarmos só no campo do querer. Nada de jogos, nada de longos silêncios, nada de se fazer de difícil. Pra que? É tempo que eu e você estamos perdendo quando já poderíamos estar nas delícias de descobrir uma a outra debaixo dos lençóis. E quem sabe? Nós poderíamos ter tido um encontro muito agradável, regado a flertes e provocações nas entrelinhas. Nós poderíamos ter tido um sexo gostoso e uma conversa pós-sexo das mais brilhantes.

Poderia sim acabar sendo uma coisa de uma vez só: foi bom, mas cada uma segue o seu rumo, cada qual com ótimas lembranças de um tempo que não foi desperdiçado.
Ou poderia ter surgido uma conexão, talvez uma não tão completa: foi maravilhoso! Vamos manter contato, fazer isso sempre que der vontade. Amizade colorida não machuca.
Mas então, a pergunta é: e se fosse mais do que você esperava? E se fosse mais do que você barganhou naquele primeiro momento de interesse? E se fosse magnífico? Mais do que o bastante pra começar algo além de amizade?

Entenda: eu não sou o caçador e você não é a caça; e nem vice-versa. Nós somos seres humanos, pessoas com vontades, desejos, medos e amores. Eu sou. E não mais nem menos do que você. Apenas tanto quanto. É puro e simples. O jogo? O jogo é social.
O jogo não é pra duas pessoas que criaram vínculos, o jogo não é pra pessoas que descobriram a intimidade, o jogo não é pra pessoas que dividiram confidencias. Em outras palavras, entre duas pessoas que possuem um relacionamento, o jogo não é. Não deveria ser.

Então francamente, meu amor, esquece essa coisa de "deixar na vontade". Vontade demais faz mal.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Epifania Diária (03/10/12)

Ela é assim mesmo.

Não pede licença, não espera, mas também não se apressa. Chega e você nem vê, vai antes que você sinta. Ela simplesmente acontece. Chega causando, como dizem por aí. Vida é o seu nome, bagunça é o que Ela faz. Mas, diga-se de passagem, é sempre a bagunça mais acertada que poderia existir.

A Vida não chora, não se lamenta. Segue em frente, não importa o que aconteça. Risonha como uma criança, travessa por vezes, corre livre a dar piruetas, e quando você já está apostando que lhe fará uma travessura daquelas de derrubar, Ela sorri e lhe estende a mão. Plena, serena. Sábia que só, a Vida não se importa e nem se preocupa: está tudo certo, está tudo bem.

Há de se achar, vez ou outra, que Ela nos desfavorece, e temos então certeza da sua crueldade e injustiça. Porém não há motivo pra desespero, creiam-me: da ultima vez que Ela me aprontou uma armadilha, apontei-lhe o dedo e cuspi em sua cara todas as minhas verdades. Ela deu aquela risada gostosa que só a Vida sabe dar, e com os olhos divertidos e suaves, me disse "Relaxa, relaxa. Está comigo, está com Deus". E Ela estava certa mesmo, como sempre. Minha queda me proporcionou a melhor das oportunidades.

Sem pé nem cabeça, incerta, misteriosa, sem sentido, dizem uns. É certo que o jeito imprevisível dela nos dá aquela frustração, mas não há o que fazer, só Ela se entende, de modo que só nos resta confiar.
A Vida, de tão louca, já não nos bate a porta: entra pela janela, senta no teto e diz para nos sentirmos a vontade.

"Faz de conta que a casa é sua", Ela ri, e nos convida a ficar.

domingo, 16 de setembro de 2012

Teresópolis 16/09/12

Eu juro que tinha um discurso perfeitamente coerente quando resolvi te ligar. E então você atendeu o telefone, e a sua voz me chamando de "amor" me deixou completamente desorientada.